Getting your Trinity Audio player ready... |
Por ano, milhares de estrangeiros, oriundos de países tanto da União Europeia como de fora, adquirem a cidadania espanhola através das diversas vias legais que o permitem: filiação, casamento, nascimento, residência e outras circunstâncias especiais que, ao abrigo da lei, o permitam.
Esse interesse crescente no passaporte espanhol (por sinal, um dos mais poderosos do mundo), aliado ao objetivo que fundamenta a lei da memória democrática de compensação e reparação do passado, assim como de reconexão de descendentes de espanhóis com o país, está no cerne do alargamento da validade da Lei da Memória Democrática por mais um ano.
Por outro lado, saiba desde já que se é neto de espanhol (mesmo que não resida em Espanha), poderá obter a nacionalidade espanhola ao abrigo da Lei da Memória Democrática e usufruir de todas as vantagens que a mesma concede, nomeadamente para brasileiros.
Mas o que é a Lei da Memória Democrática? E qual a nova validade da lei da memória democrática? Quais as modificações que introduziu esta lei? Responderemos a estas questões e a muito mais neste artigo!
O que é a Lei da Memória Democrática?
A Lei da Memória Democrática sucede à Lei da Memória Histórica (Lei 52/2007), também conhecida como Lei dos Netos, que vigorou até 27 de dezembro de 2011. Esta primeira lei tornou possível a atribuição da cidadania espanhola aos netos de espanhóis que, por razões relacionadas com o casamento, a renúncia à nacionalidade ou o exílio, tendo como pano de fundo a guerra civil ou a ditadura, a perderam.
Num exercício de reconhecimento de que o período no qual esta lei vigorou, assim como os direitos que protegia ou restabelecia, não foi suficiente para determinar a reconexão pretendida entre estes cidadãos, o seu passado e o país, entrou em vigor, a 21 de outubro de 2022, a “Nova Lei dos Netos” ou Lei da Memória Democrática. Nesse sentido, além de ser criado um novo período que permite aos netos de espanhóis solicitarem a nacionalidade espanhola, veio esta lei ampliar de forma decisiva os direitos protegidos pela primeira.
Quem pode solicitar a cidadania espanhola ao abrigo da validade da Lei da Memória Democrática?
- Os nascidos fora da Espanha de pai ou mãe, avô ou avó, originalmente espanhóis;
- Filhos ou netos de espanhóis que foram exilados e saíram da Espanha por motivos políticos, ideológicos ou de crenças, ou de orientação e identidade sexual; e, por conta do exílio, abriram mão ou perderam a nacionalidade espanhola;
- Filhos e filhas nascidos no exterior de mulheres espanholas que perderam a nacionalidade por matrimónio com estrangeiros antes da entrada em vigor da Constituição de 1978.
- Os filhos maiores de idade daqueles que adquiriram a nacionalidade espanhola pela Lei da Memória Histórica, também conhecida como Lei dos Netos.
- Os voluntários integrantes das Brigadas Internacionais, que participaram na Guerra Civil de 1936 a 1939 e os seus descendentes.
O que diz a Lei dos Netos?
- Desde logo, ao abrigo da nova lei dos netos, tem lugar a “reparação ou indemnização de índole económica”, possibilitando a compensação pelos bens apreendidos e pelas sanções económicas fruto da guerra e da ditadura;
- Esta lei introduz o termo “originariamente espanhóis”, pretendendo alargar o seu âmbito aos descendentes de pessoas cuja nacionalidade era espanhola, mas deixou de o ser por circunstâncias como o casamento ou o exílio no período temporal supra indicado. Dessa forma, torna-se possível aos netos de “originariamente espanhóis” (nomeadamente aos netos brasileiros), obter a cidadania espanhola;
- Confere ainda a possibilidade, aos filhos maiores de idade de todos aqueles que, ao abrigo desta primeira lei 52/2007, adquiriram a nacionalidade espanhola, façam o mesmo agora ao abrigo da nova lei.
A “nova Lei dos Netos”, à semelhança do que já acontecia com a Lei da Memória Histórica, procura reconhecer todas as pessoas que sofreram perseguições ou violência, por razões de índole política, ideológica, de consciência ou crença religiosa, assim como de orientação sexual e identidade, durante o período compreendido entre o golpe de 1936, a Guerra Civil e a ditadura de Franco até à promulgação da Constituição espanhola em 1978, porém, aumenta as possibilidades e os meios para compensar as situações ocorridas neste período histórico.
Desde logo, declarou ilegal tanto o regime franquista como os tribunais franquistas, assim como a nulidade de todas as condenações feitas naquele período e naquelas instâncias. Por outro lado, proibiu ainda todas as manifestações de apoio à ditadura de Francisco Franco e as organizações que promovam os líderes e políticas desse período.
A adicionar às novidades referidas, diga-se que as autoridades espanholas passam a ter a responsabilidade de encontrar e exumar as vítimas mortais do período da guerra civil e da ditadura de Franco, uma tarefa que até agora ficava ao cargo de movimentos cívicos e das famílias. O Ministério Público espanhol vem investigando alguns casos e denúncias, fazendo cumprir a Lei da Memória Democrática, que prevê que o Estado tem o “dever de investigar as violações do direito internacional” durante o período em que o país foi governado pelo ditador Franco.
A Lei da Memória Democrática, no seu art.31º reconhece o direito à indemnização pelos bens apreendidos e às sanções económicas “produzidas por motivos políticos, ideológicos, de consciência ou de crença religiosa durante a guerra e a ditadura, nos termos legalmente estabelecidos, bem como nos regulamentos de desenvolvimento.” Apesar de ser um procedimento que regista algum atraso face à entrada em vigor da lei, o governo espanhol está a desenvolver um estudo e uma auditoria acerca dos bens apreendidos e saqueados durante o regime de Franco, para posteriormente passar à compensação das situações que forem identificadas e comprovadas.
A importância legislativa deste normativo legal é inquestionável, tendo influência direta na vida de milhares de pessoas, porém, revela-se ainda como um gesto de solidariedade, que promove a reconexão com o passado para com os descendentes daqueles que foram forçados a fugir e/ou a abdicar da nacionalidade espanhola.
Do ponto de vista prático da Lei da Memória Democrática, nota-se ainda que considera exílio para os efeitos supramencionados “todos os espanhóis que saíram do país entre 18 de julho de 1936 e 31 de dezembro de 1955”.
Como ela pode beneficiar brasileiros descendentes de espanhóis?
Os brasileiros descendentes de espanhóis podem, nos termos descritos supra e se enquadrados numa das situações elencadas que conferem o direito a solicitar a cidadania espanhola, obtê-la. Dessa forma, beneficiarão das vantagens decorrentes da nacionalidade espanhola. Porém, brasileiros descendentes de espanhóis podem encontrar vantagens nesta lei mesmo não solicitando a cidadania espanhola através dela, como veremos.
Em primeiro lugar, é importante ter em conta que as nacionalidades, não sendo incompatíveis, são cumulativas, pelo que se é brasileiro e obtiver a nacionalidade espanhola, ficará com a dupla nacionalidade.
Elencadas supra as situações nas quais é possível adquirir a cidadania espanhola, fazendo o pedido dentro do prazo que constitui a validade da lei da memória democrática, cabe referir um aspeto importante: se o bisavô é ou era espanhol, é possível que consiga também vir a ser espanhol. É possível, por um lado, se o seu avô ou avó forem vivos, solicitar um duplo registo em simultâneo (evitando esperar pela tramitação de ambos os processos): o dele/dela e o seu, como seu neto, já que o seu avô, sendo filho de espanhol, tem direito à nacionalidade espanhola e assim, terá direito na qualidade de neto de espanhol. Outra possibilidade é a seguinte: o seu/sua avô/avó faleceu com o direito de solicitar a nacionalidade espanhola. Neste caso poderá pedir o registo deste ascendente como espanhol e, posteriormente, solicitar o reconhecimento da sua cidadania espanhola ao abrigo da Lei da Memória Democrática. Este registo à posteriori designa-se como registo via ofício. A tramitação dos processos pode ser iniciada tanto no Registo Civil espanhol (portanto, em Espanha), ou no Consulado Espanhol correspondente à sua residência (no Brasil).
Como indicamos, nem só de vantagens decorrentes da nacionalidade espanhola podem beneficiar os brasileiros: como também já indicamos, o governo espanhol está a envidar esforços no sentido de compensar direitos, nomeadamente direitos sobre propriedades apreendidas e/ou saqueadas no período visado pela Lei. Desta forma, mesmo não se tornando um cidadão espanhol, pode vir a ser compensado, no sentido de reparação de situações passadas que, mesmo não as conhecendo, influenciam e prejudicam-no no presente. Se, diferentemente, conhecer situações do seu passado, nomeadamente ocorridas com os seus ascendentes neste período histórico, pode denunciá-las ao Ministério Público espanhol, que vem investigando e procurando restabelecer a verdade sobre esta época.
Analisados supra os casos de brasileiros que podem obter a nacionalidade espanhola ao abrigo desta lei e, posteriormente, de que outros direitos conferidos ao abrigo desta lei podem beneficiar os cidadãos brasileiros, referimos agora algumas das vantagens de que podem beneficiar os mesmos se descendentes de espanhóis e lhes for atribuída a nacionalidade espanhola: desde logo usufruem da possibilidade de entrada em 190 países, apenas apresentando o passaporte espanhol, pelo que beneficiam diretamente de um dos passaportes mais fortes do mundo; além disso passam a poder concorrer a qualquer emprego no país (até às vagas públicas exclusivas para espanhóis) e ainda a poder trabalhar ou prestar serviços, bem como a se estabelecer em qualquer país da União Europeia; por fim, além dos direitos estabelecidos na constituição espanhola, como o direito à família, direito à habitação, à liberdade de expressão (entre muitas outros direitos fundamentais), passa a poder aceder a um abrangente leque de serviços públicos no país, tais como a saúde ou a educação, assim como à justiça.
São, portanto, inúmeros os benefícios para brasileiros que a Lei da Memória Democrática concede de forma direta ou indireta: ou seja, aqueles que a lei consagra (diretamente), como a atribuição da nacionalidade e as compensações/reparações de índole económica (e não só) ou, indiretamente, os direitos e vantagens de que usufruirá se, através desta lei, obtiver a nacionalidade espanhola.
O que mudou na Lei da Memória Democrática em 2024?
Em primeiro lugar, mudou a validade da Lei da Memória Democrática, como veremos. Esse alargamento tem por base o elevado número de pessoas que, através desta via, solicitam a cidadania espanhola, mas também uma procura crescente do Estado espanhol em conhecer e reparar o passado. Se para o conhecer, cabe às autoridades nacionais e ao Ministério Público essa procura e restabelecimento da verdade, para o reparar, terá que aliar-se à iniciativa dos cidadãos, que também procurem essa compensação (e para tal, tem que encontrar-se validade na Lei da Memória Democrática).
Por outro lado, já o indicamos, tem-se acentuado essa obrigação legal de investigação e descoberta da verdade. A própria Lei da Memória Democrática refere que “o Estado tem o dever de investigar as violações do direito internacional”.
Por fim, a Europa vem assistindo a um movimento crescente de forças extremistas e antagônicas a este tipo de abertura legal. Em 2024 assistimos a um crescimento muito acentuado da extrema direita em Portugal, país vizinho de Espanha, que cresceu 400% relativamente às eleições legislativas anteriores. Também por isso, se revela importante Espanha marcar a sua posição e reforçar o caminho que procura seguir, nomeadamente no que respeita à possibilidade oferecida aos cidadãos de países estrangeiros de se tornarem espanhóis. Para tal, pode ser mais importante do que parece a renovação da validade da Lei da Memória Democrática.
Qual a nova validade da Lei da Memória Democrática?
Há uma nova validade da lei da memória democrática: está agora em vigor até 21 de outubro de 2025. Depois de ser equacionado o alargamento durante alguns meses, foi mesmo alargada por mais um ano a validade da lei da memória democrática, que terminaria a 21 de outubro de 2024. Até ao primeiro trimestre de 2024 já tinha sido atribuída a cidadania espanhola por esta via legal a cerca de 70 mil pessoas.
Apesar do alargamento do prazo legal para dar início ao seu processo de obtenção da nacionalidade espanhola, é importante que faça o seu pedido com antecedência, já que reunir os documentos necessários pode demorar algum tempo, e desde a tomada de decisão à obtenção do seu passaporte espanhol, são vários os trâmites a cumprir e pelos quais passa o processo. Além disso, deve ter conhecimento de que com o crescimento generalizado das forças políticas de extrema-direita na Europa e, concretamente, em Espanha, muitos têm sido os debates na Assembleia da República Nacional sobre a importância de manter, ou restringir, esta e outras vias legais que permitam reconhecer a nacionalidade espanhola a cidadãos estrangeiros, pelo que o futuro é incerto neste sentido.
Torne-se um espanhol! Se o passado dos seus ancestrais foi marcado pela guerra civil e pela ditadura franquista, enquadrando-se o seu caso numa das categorias que elencamos, não espere mais. Continuamos, apesar do alargamento do prazo que referimos supra, de olhos postos na validade da lei da memória democrática, e por isso o seu momento é agora!