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Internacionalizar uma empresa, ainda mais em momentos de instabilidade econômica – como a que vive o mundo por conta da pandemia de COVID-19 – é um passo bastante desafiador. Por isso, contar com bons exemplos, de cases de sucesso de empreendedorismo em Portugal, torna-se ainda mais importante na hora de decidir o que fazer e como fazer.
Por isso, trazemos uma entrevista sobre empreendedorismo em Portugal com um dos fundadores da empresa brasileira Sizebay, que expandiu para Portugal no fim de 2019 e mesmo com a pandemia conseguiu atingir metas traçando novos objetivos. Nossa equipe conversou com o empresário Marcelo Bastos:
NP – Qual é o trabalho desenvolvido pela Sizebay?
MB – A Sizebay é uma empresa que, basicamente, desenvolve software para e-commerce, notadamente na questão de aumento na experiência de personalização de compra do cliente no e-commerce.
Desenvolvemos um produto que se chama “provador virtual” e facilita para o consumidor identificar o tamanho de cada roupa ou de cada calçado que ele deseja comprar, reduzindo a dúvida e aumentando as vendas.
É exatamente essa a grande dúvida hoje no e-commerce: em 70%, 80% das devoluções o problema é o tamanho escolhido errado e nós atuamos exatamente em mitigar essa dificuldade.
NP – Por que expandir o negócio em Portugal? Imagino que talvez vocês tivessem esse interesse relacionado à Europa ou até ao mercado da América do Norte, mas por que esse start logo aqui?
MB – Primeiro: a Sizebay nasceu com o objetivo de internacionalizar e eu acho muito importante dizer isso, porque quando você começa a empresa com esse objetivo, você já começa a ver o seu produto, a sua oferta, não só no mercado brasileiro, mas olhando também outros mercados.
Isso é muito importante, ter no DNA, desde o começo, querer sair do Brasil. E por que eu falo “querer sair do Brasil”? Porque o Brasil é um país continental, então quando você fala de PIB, quando você fala de economia brasileira, por mais coisas ruins que o Brasil esteja passando, ainda assim é uma economia muito significativa.
Então querer sair do Brasil pode parecer “puxa, mas eu nem atendi ainda o mercado brasileiro, por que eu vou querer atender outros mercados?”, mas é justamente querer atender outros mercados que vai trazer maturidade empresarial, maturidade do seu produto, para que você continue atendendo no Brasil de forma competitiva, caso algum concorrente entre no Brasil ou se desenvolva melhor no país.
Você tem que vivenciar experiência internacional para que você se torne competitivo. Dando essa introdução, como e porque nós pensamos primeiro em Portugal: a cultura do brasileiro ainda é muito “estou no Brasil, tudo no Brasil se resolve”, nos relacionamos pouco com outros povos.
Já aqui em Portugal, pelo tamanho do país e pelo fato de estar inserido na comunidade Europeia – vou dar o exemplo do prédio onde eu estou morando, tem italianos, franceses, espanhóis – o multiculturalismo é muito grande e você viver outras culturas é algo diário.
No dia a dia do mundo dos negócios você fala inglês – fala português na rua, fala com os amigos. Então isso prepara você melhor para se internacionalizar, mas tendo ainda, o que é muito importante: a cultura brasileira.
E, veja bem, se formos pensar, seria natural como uma empresa de tecnologia busca, por exemplo, investir nos Estados Unidos, mas a gente percebeu que se fôssemos pra lá nosso degrau de aprendizagem seria muito grande. Nós teríamos uma necessidade de treinar o nosso pessoal do Brasil e ainda empreender nos Estados Unidos.
Um degrau muito alto. Preferimos fazer o seguinte: vamos pra Portugal, que não é o fim, é o meio da Europa – ou seja, estando aqui em Portugal você olha os outros países e começa a aprender que as culturas são diferentes. Fazer negócios na Alemanha, na França, no Reino Unido, é completamente diferente. Assim, estar em Portugal é uma academia, onde você aprende a se internacionalizar.
No ano que vem, a Sizebay vai abrir escritório nos Estados Unidos, mas com uma maturidade de negócios muito maior do que há dois anos e meio, quando a gente abriu aqui em Portugal. Então, a gente vai muito mais tranquilo fazer Estados Unidos, uma vez que a gente já aprendeu aqui a ser uma empresa internacional.
NP – Como foi para vocês lidar com tudo isso em um cenário de pandemia, no que isso também contribuiu para o amadurecimento?
MB – A gente abriu aqui em Portugal em novembro de 2019, em março de 2020 foi decretado o confinamento devido a pandemia. Então, foi uma coisa que surpreendeu, foi bastante negativa, mas, a gente tem que aprender com os problemas e a pandemia nos fez rever nossa estratégia de negócio aqui.
Nós tínhamos planos de visitar feiras na Espanha, França, Alemanha, e aí a gente pensou: o que fazer agora? A gente vai ter que apresentar uma empresa brasileira, recém fundada em Portugal, para alemães que nem sabem quem nós somos.
Então a gente mudou toda a estratégia. Nós demos dois passos para trás, francamente falando, e fizemos o seguinte: vamos ter que apresentar a empresa não presencialmente. E isso aqui na Europa faz toda a diferença. Você ir para a Espanha conversar com os espanhóis, fazer uma rede de contatos, dá muito mais resultado do que fazer uma videochamada, um Google Meet, e isso nos prejudicou bastante no começo.
Mas, aí, como já disse, mudamos nossa estratégia comercial, nosso posicionamento, para que pudéssemos apresentar nossa solução no momento de pandemia. Se não fosse essa situação poderíamos ter crescido mais? Poderíamos. Mas, só para você ter uma ideia, no meio da pandemia nós alcançamos o break even. Então, continuamos a crescer, mesmo não tendo os números que nós gostaríamos.
NP – Apesar das muitas diferenças, a similaridade entre Brasil e Portugal, a começar pela língua e aspectos culturais por motivos óbvios, atrai não apenas empreendedores, mas pessoas de um modo geral – como os números de imigrantes mostram. Agora, o que tu consideras mais diferente entre internacionalizar para cá e essa experiência que tu estás tendo agora nos Estados Unidos? Existe uma maneira de comparar?
MB – Existe. Não tem essa questão de ser mais fácil ou mais difícil, tem a questão de ser diferente. O que eu digo primeiramente em relação ao Brasil, no caso especialmente do meu segmento, mas, eu vejo que é geral, é o tempo de fechamento de negócios. Aqui o tempo é maior.
Então eu brinco muito com algumas pessoas da Sizebay e do mercado dizendo “vou para Portugal, tenho que tomar um pouco do meu Frontal”, que é o meu ansiolítico, porque eu sou uma pessoa ansiosa por natureza e aqui na Europa você aprende o seguinte: o tempo de maturação do negócio é maior, mas as relações são mais duradouras, comparando com o Brasil.
No Brasil você faz negócios mais rápido, mas nem sempre são negócios duradouros. Então essa é a primeira coisa. A segunda coisa é o formalismo, que é muito maior do que no Brasil. E quando eu falo em formalismo, é formalismo em tudo, desde a forma como você se comunica, como você apresenta a sua proposta, valor com relação ao mercado…mas, isso é positivo!
Porque se você juntar a criatividade do brasileiro com a sua experiência, sendo mais formal, isso faz a diferença. E falando com relação aos Estados Unidos – porque nós não temos o nosso escritório ainda nos Estados Unidos, mas vendemos os nossos serviços através de representantes – lá é o seguinte: você oferece o serviço é “quero sim”, “não quero” e vai embora.
Se não quer, é a primeira coisa que o americano fala e bate o telefone na cara ou nem responde e-mail. Mas, isso não quer dizer que esteja sendo mal-educado, ele está sendo apenas prático. Já na cultura europeia, essa questão é mais suave.
Ou seja, ele tenta obter mais informações, conversa com você, demora para dar uma resposta “sim” ou “não”, mas, não é tão seco quanto o americano nessa relação. E, veja bem, quando eu digo “seco”, não estou querendo depreciar, só estou criando um comparativo.
Então qual o desafio do brasileiro nesse sentido? Sermos mais diretos. O brasileiro gosta de conversar, o brasileiro gosta de apresentar o seu produto com uma série de coisas né, de histórias, de contextualizações.
A questão é que tanto nos Estados Unidos como na Europa, essas questões são consideradas perda de tempo, mais nos Estados Unidos do que na Europa.
NP – E em termos burocráticos, como é que tu definirias esta experiência de internacionalizar em Portugal? Muito complicado ou mais fácil do que imaginava?
MB – Olha, eu lembro bem que eu estava em São Paulo e eu organizei a documentação, muito simples, eram cinco documentos, e mandei para o contador aqui em Portugal que foi responsável pela abertura da empresa.
Eu lembro fácil porque lembrei que foi uma sexta-feira antes do Carnaval. Passou o Carnaval, meu contador, que chama aqui em Portugal de contabilista, me ligou e disse “olha, Marcelo, empresa criada, te mandei o NIF, as instruções, autorização de faturamento, tudo certo”.
Então, assim, levou uma semana e seria menos se a DHL não tivesse levado dois dias para entregar a documentação. Ou seja, a abertura de empresa foi muito fácil, rápida, e você fazer a gestão da empresa aqui em Portugal também é muito mais fácil, nomeadamente, como se fala em Portugal, na questão tributária.
Então, dia 25, que é o dia de pagar os impostos – são três tipos de impostos – recolher os impostos e acabou! Dedico o resto da minha vida aqui em Portugal para fazer negócio e não para ficar preocupado com questões tributárias, burocráticas, características do Brasil. Então, o tempo que eu dedico para negócio aqui, comparado com o Brasil, é muito maior devido a essa facilidade legal.
NP – Qual a dica que tu podes deixar para o empreendedor brasileiro que deseja expandir para o mercado europeu e, especialmente, para Portugal?
MB – Primeira coisa: venha para Portugal para conhecer o mercado. Não é ficando no Brasil que você vai ter a exata dimensão. Venha conhecer o ambiente de negócios para você ter toda a experiência necessária, não é ficando no Brasil que você vai conhecer tudo.
A segunda coisa é: se associe ou escolha bons parceiros. Isso é fundamental porque eu já comentei que é muito fácil, mas é muito fácil desde que você conheça como funcionam as coisas aqui. Então é bom você ter bons parceiros aqui. E é importante lembrar: o Contador aqui, que chamam de Contabilista, ele faz atividade específica de contabilidade.
Ele não é o consultor da empresa. No Brasil o Contador participa bastante da gestão da empresa pela questão da complexidade tributária brasileira, mas aqui em Portugal o contabilista é responsável pela contabilização e ponto final.
Então, para você ter uma assessoria jurídica em relação a questões trabalhistas, com relação a comercial, contratos, não vai ser o Contador que vai resolver isso, vão ser bons parceiros e é por isso que é bom estar aqui. Você vai conhecer bons parceiros estando aqui e não mandando um e-mail.
Terceira dica: Portugal é muito bom, mas é como eu falei: é o meio, não é o fim. Venha para cá fazer negócios pensando também em outros países, tendo uma simplicidade de faturamento, de controle, muito grande por causa da comunidade europeia. Isso você também vai aprender a fazer aqui e é fundamental para quem pensa em internacionalizar de verdade.
E a última dica: não deixe esse conhecimento apenas para os fundadores, para os diretores da empresa, compartilhe com sua equipe. A cultura da integração tem que estar na empresa inteira.
Hoje na Sizebay, por exemplo, o pessoal de suporte de Portugal conversa com o do Brasil. Mais um motivo de internacionalização em Portugal, porque tem a facilidade do idioma também para toda a equipe. Significa internacionalizar efetivamente.
NP – Eu sei que tu tens nacionalidade portuguesa, inclusive feita pelos parceiros aqui do nosso canal, isso fez alguma diferença no processo empresarial?
MB – Eu tirei minha nacionalidade apenas em janeiro agora de 2021. Ou seja, o fato de não tê-la antes não me impediu em nada de abrir a empresa aqui, operar aqui, nunca foi fator impeditivo. É opção minha ser cidadão porque eu tenho planos familiares também, a cidadania é boa, faz parte do processo, sendo cidadão você tem acesso a outros serviços – um conforto na saúde, na educação – mas nunca foi fator impeditivo para começar os meus negócios. Ou seja, não espere a cidadania, por exemplo, para ter a empresa aqui.